segunda-feira, 29 de abril de 2013

Valsinha


Ela no sofá, ele no portão.
Ele entra, vai até a cozinha, ela se levanta e vai varrer o quintal.
O silêncio continua há anos, desde que o cão morreu.  O abacateiro já não existe. Nem a figueira, nem o jardim, nem o pé de romã. Restam sombras e umidades nas paredes. Apenas algumas hortênsias teimam em florescer escandalosamente em frente à porta nos dias incertos de abril.
Ninguém esperava, mas aconteceu...  entre o barulho  da panela de pressão e o olhar fixo  em um não lugar, o tempo passou. Quando voltou ao mundo, o susto: lá estava ele, parado, no mesmo cômodo, com uma flor na mão. A camisa puída, rasgada e suja, dava-lhe o ar de alguém que foi abandonado.
Desligou o fogão. Terminou de secar as mãos no pano de prato, mas o olhar não se sustentou em nenhum canto da casa. Havia desaprendido a ser notada.
Passos vagarosos, pesados de tempo, vieram em sua direção. A mão grossa, rugosa, ajeitou a flor atrás da sua orelha sem dizer palavra. Havia música e mistério entre os corações cansados, algo que esboçou uma dança vigorosa e lenta entre um cômodo e outro.
Quanto tempo? Uma eternidade? Talvez duas...
Depois as mãos se soltaram, ele foi para janela e ela colheu hortênsias para pôr num vaso. 

R.B.

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